terça-feira, 7 de setembro de 2010

Suicida

Cansado de ouvir dizer que era como um membro da família, mas ser tratado como um cachorro, entrou no microondas, ligou-o e esperou a morte que não veio: abriram o aparelho antes que o sangue ebulisse, arrebentando-lhe as veias. Como este cachorro conseguiu, trancado no microondas, ligar sozinho o aparelho?, perguntaram-se os humanos, sem questionar ao animal o motivo daquela atitude, aumentando ainda mais a melancolia do suicida.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

O Homem-Invisível

Almeida, para já com isso!, ordenava Simone ao marido que, depois de quase dois anos treinando escondido durante as madrugadas, finalmente conseguiu: tornou-se invisível. Desde que se casou com Simone, a vida de Almeida tinha se transformado num inferno. Inferno? Um bom lugar para se passar férias, comparado com o que vivia naquela casa. Todas as manhãs, por exemplo, antes do despertador tocar, era acordado com os gritos dela. Isso quando os roncos o deixavam dormir. Se as hemorróidas doíam, não adiantava ser discreto: Simone tratava de contar a todos os amigos, entre risos de deboche, o sofrimento do marido, que se ajeitava constrangido na cadeira. E pior do que as surras que levava, só o perceber a sua humilhação privada era pública: uma pauta recorrente nas reuniões do condomínio era o choro masculino que vinha do 303. Tentou muitas vezes se separar, mas sempre que falava no assunto apanhava tanto que desistia. Até que, depois de descobrir no sebo um livro de magia, passou a exercitar o dom da invisibilidade e hoje, finalmente, depois de muito tempo, conseguiu: estava pertinho de Simone, chamou-lhe de vaca e ela nada pôde fazer. E quanto mais a mulher se irritava, mais Almeida ria, mais ele a xingava, sem se importar que, em vez de ficar invisível, tinha se transformado no chinelo que ela usava. E andando para lá e para cá, calçando a mulher em desespero, Almeida nem se importava em saber que ela continuaria, ainda por muito tempo, pisando-lhe em cima.